Poderia me autoproclamar profeta.
Ano passado, disse que aqueles pequenos, os que todos diziam ser meus
queridinhos (a a quem nunca deixei de
exigir o máximo), que eles eram o futuro do grupo. Lembro-me de um momento em
que mostrei a muitos de vocês os troféus dos espetáculos anteriores. Tempos
depois, disse que essa geração poderia fazer história, que tinha tudo para ser
a melhor da história do grupo até então. Lembro-me bem do que sentia e do que
dizia. Recordo-me ainda de um sem número de ocasiões em que citei a magia em
que estava envolta esta cidade, este Festival e as pessoas a ele ligadas. Está
clara, muito clara em minha memória, a quantidade de vezes que falei que o FETO
seria uma experiência inesquecível.
Eu
não gosto muito de usar a expressão “eu
não disse”, mas e aí? Disse ou não disse? Avisei, comuniquei nos pormenores,
dei a receita, colapsei a onda. Previ o futuro. Sou profeta então... Tisc,
tisc, tisc, negativo! Sou única e exclusivamente atento o suficiente para,
baseado em fortes indícios, traçar um prognóstico, fazer uma análise cuidadosa
e delicada. Não é coisa de gênio, nada impossível de descobrir. Qualquer um com
vivência e experiência, chegaria a essa conclusão. Sim, previ o futuro e estava certo em minha
previsão. Mas não há genialidade, há reflexão, análise e evidências. Nada mais.
Na
tarde desta quinta-feira, dia 18 de Outubro de 2012, o Grupo Brinquedo Torto
atingiu mais um topo. Mais uma escalada finalizada, mais um grande objetivo
cumprido. Em PNL há uma regra de ouro: CONQUISTE UM OBJETIVO E SE FAÇA FELIZ. Objetivo
cumprido, felicidade alcançada, e que felicidade! O grupo fez história. Deixou
mais um marca indelével no FETO, mas marcou sua própria história. Não é a
primeira vez que isso ocorre. O que me alegra, contudo, é o fato de isto ter
sido feito por uma segunda, talvez terceira geração.
Não
posso negar que morro de orgulho, não caibo em mim mesmo, fico babando quando
vejo vocês conversando de igual para igual sobre teatro com alunos de
graduação, que olham para vocês abismados com o conhecimento e a vivência que
vocês possuem. Fico orgulhoso quando vocês são citados, observados, comentados,
quando param para falar comigo sobre vocês. Fico também embasbacado quando olho
para vocês no palco, sinto que o público está tomado de emoção, ri, chora, não
pisca e como disse uma diretora com quem conversei aqui “não tem tempo de abrir
uma bala, pela qualidade do trabalho”.
É
uma sensação incrível, não? Sentir-se valorizado por todo o esforço. Ver que as
pessoas te olham com admiração, carinho, que sentem-se gratas pela oportunidade
de terem conhecido você, que te agradecem pelo espetáculo, pelo trabalho e pela
oportunidade de ver uma obra como a que fizemos. E aí, creio que temos dois
problemas. E é a partir daqui que realmente se inicia a lição de hoje. Não
gosto muito, como sabem, de alguns chavões e lugares comuns típicos de
professores, mas neste momento, creio que lição seja a melhor palavra, pois é a
partir de agora que o maior dos aprendizados precisa ser desenvolvido.
Em
“Dona Menina, cadê seu riso?”, Catarina, menina de sorriso encantador, causa
inveja a Zilá, sombra dura e fria, que não suporta seu sorriso e o quer para
sim, mesmo não podendo usá-lo. A certo ponto da história, o espectro, ao cair
da noite, após distração do cão Pandolfo, se aproxima da casa da menina
proferindo as seguintes palavras. Segue o texto, na voz da atriz que a
interpreta.
E
Catarina cai na armadilha. Os elogios que ouve vão deixando-a cega até o ponto
em que finalmente Zilá consegue roubar-lhe o riso ao desabrochar da flor, que
pode ser interpretado de diversas formas, entre elas a transição de menina para
mulher, mas tomo aqui a liberdade, já que o texto é de minha autoria, de propor
uma nova leitura, ao atingir o topo, a realização. Catarina realizada sorri,
minhas Catarinas, e nesse caso meu único garoto também é representado pela
sorridente menina, atingiram a realização e dispõem agora de riso largo e
claro. Mas cuidado, sombra se aproxima.
Ao
ter seu sorriso roubado, Catarina sofre deveras, quase morre, e recebe a ajuda
de Aurora, velha recruta em gruta, que a ensina a moldar sua imagem no barro, e
depois a manda subir uma montanha, acho que já ouvi isso em algum outro
lugar... lá no topo, toca com a ponta dos dedos a nuvem mais alta. Lá, Catarina,
após tanto sofrimento, tem um choque de consciência e diz as seguintes
palavras, também colocadas de volta na boca da atriz que a interpreta.
Sou
professor e aprendi na lida que a metáfora é um poderoso instrumento de
reflexão e transformação. A metáfora de Catarina nos cabe como uma luva. Pois
estamos num momento de largo sorriso, um momento inesquecível, mas momento
também em que precisamos estar atentos às sombras que nos circundam. Fizemos
história, vivemos, pelo menos eu vivi, um dos melhores momentos de minha vida,
mas e agora? Sou o máximo, sou estrela e com o perdão às mais que se encontram
presentes, sou foda e pronto? É aí que sombra se aproxima.
Chegar
ao topo e ganhar asas não é tarefa fácil. Mas não é a mais difícil de todas. A
mais difícil começa agora. Peguem a vaidade, lancem num lamaçal, na lixeira
mais próxima e sigamos. Quando alguém vier enaltecer suas qualidades, agradeça,
mas você mesmo, valorize seu esforço, não sua genialidade. Porque talvez nenhum
de nós seja gênio. Somos apenas esforçados, apaixonados pelo trabalho e
dedicados ao extremo. E isso pode criar a falsa ilusão de que somos prodígios.
Mas não somos. Estamos nos tornando bons à medida que nos esforçamos, ou vocês
acham que de início, quando começaram a fazer teatro já tinham todo esse
“talento”? Nananinanão. Tudo foi conquistado. Baixem a bola, coloquem-se nos
seus lugares, de grupo unido, cheio de respeito, união, garra, disciplina e
amor. Foram esses valores que os trouxeram aqui. Não o talento e a genialidade,
que talvez nenhum de nós de fato possua, graças a Deus.
Já
vi grupos chegarem a este momento de ponto mais alto e a partir dele iniciarem
uma queda vertiginosa, irem definhando, definhando e terem um triste fim. É
isso que querem para você? Digo que prefiro chegar ao topo iniciar uma descida
para um pouco de fôlego e iniciar nova subida em busca de mais emoções e
sensações como esta, porque este tipo de experiência vicia e, pelo menos eu,
quero mais e mais em minha vida, dias como os de ontem.
Terceira folha, hoje o dia pedia
uma profunda reflexão. Segue então mais uma. Este grupo já fez história. Sim,
já. Mas da mesma forma que os outros já fizeram. Segue um novo desafio, talvez
mais duro do que todos.
Daqui
a alguns anos, quando vocês tiverem ido embora, deixado o grupo e estiverem
vivendo outros tapetes tempestades e montanhas, gostaria de dizer aos meninos e
meninas que estiverem comigo aqui em Belo Horizonte, esta cidade linda,
encantadora e que tanto prezo, que a geração Carteiro de Bonecas fez história,
não por ser notado como um grupo de alunos inteligentes, atores talentosos ou
por terem feito a plateia chorar e terem recebido uma ovação que eu nunca havia
visto na história do FETO. Que fizeram história pelo fato de terem controlado a
vaidade, terem sido humildes e não terem deixado o sucesso e a realização
subirem à cabeça e que depois de BH, o grupo ainda conseguiu grandes feitos,
até o momento inevitável em que se separaram, felizes por tudo o que
conquistaram e conscientes de que são bons, não por uma luz que baixou em suas
cabeças, mas pela luz do esforço e da vontade que brilha dentro de cada um.
Desafio
lançado!