quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

De Santo André a Pará de Minas - Primeiro Encontro PÓS FETO, dos muitos que virão



Foi uma daquelas loucuras de que nunca me arrependerei. Entre a decisão e a viagem, menos de  8 horas; mais tempo passei em dois ônibus no trajeto BH - Pará de Minas, quase 12 horas ao todo, contando com o tempo de espera nas duas rodoviárias. Tempo muitíssimo bem investido, Fui recebido por meu amigo, irmão de arte Rony Morais, que logo descobri ser figura famosa na cidade; e que cidade, diga-se de passagem. Ar tranquilo, interiorano, sem ser tedioso nem enfadonho lugar que pelos amigos que fiz e pela beleza de sua simplicidade campestre, já guardo no peito como um daqueles locais onde certamente moraria. Mas cidade é feita por gente e viagem se vive no encontro. E aí é que tudo começa e vem o melhor.

Num passeio de ônibus, onde fui posto a par sobre como era a cena teatral paraminense, chegamos ao local do primeiro encontro, um caique, escola municipal onde depois de visitar algumas salas e conhecer o trabalho cheio de amor de algumas professoras, fui levado a um espaço agradabilíssimo, local de ensaio do Grupo Colibri, 10 ou 11 adolescentes, que começaram tomando uma "leve bronca", bem parecida com aquelas que dou no Brinquedo Torto. O motivo: um certo atrito entre eles e os meninos do Tatu Bola no ônibus que levou os dois grupos à histórica apresentação no Teatro Municipal, que ambos os grupos tiveram a honra de inaugurar. Conduzida com firmeza pelo diretor, a conversa alertava que aquilo jamais deveria ter acontecido, pois os dois grupos juntos faziam parte de algo maior, o Projeto Teatro na Educação, executado e idealizado há 12 anos por Rony, que como pai que resolve sabiamente a discussão entre os dois filhos, conduzindo a conversa para uma resolução. Senti-me à vontade para intervir e contar uma história, que ilustrava o acontecido. Fui acompanhado pelos olhos atentos, daqueles meninos e logo a eles me afeiçoei. Depois, elegeram-se destaques e lideranças do grupo em  2012 , momentos em que novamente faço relação com o que ocorre em casa, com meus meninos. Terminou assim a roda inicial, meu primeiro contato com eles.

E fomos aquecer e jogar. Brincamos e rimos demais. E assim, estavam todos preparados para me apresentarem "A tragédia de nossas vidas”, mais um trabalho com a assinatura Rony Morais Artes Cênicas, cheio de corporeidade, outra narrativa cujo tom, energia e dedicação dos meninos encanta e impressiona. Dei uns pitacos e auxiliei uma das atrizes a encontrar recursos para despertar o estado interno adequado para a cena. Mais uma vez fui ouvido com tanto carinho, que me senti alguém especial.

Logo depois, uns pequeninos vieram me apresentar uma versão de cinderela e outra vez Rony Morais quebrou um outro paradigma: é possível montar um conto de fadas de uma forma autêntica, fazendo a criança se apropriar da história e não só reproduzi-la. Não sabia qual deles pegar no colo primeiro, de tão fofos que eram. Lanche, confraternização, um brincadeiras a la Varlei e eu já estava apaixonado. E o pior, era hora de partir. Despedidas são um saco.

Banho, brincadeira com o adorável cãozinho Jake, do irmão de Rony e a noite estava reservada para conhecer um pouquinho mais da cidade e visitar a Missaka Academia de Dança, referência na cidade. Depois tomarmos uma cerveja; ninguém é de ferro e eu não estava dirigindo nem a trabalho. Brindamos aquele momento, que achamos que talvez nunca ocorreria. 

Horas de sono, que passaram rapidamente e lá fomos nós para o segundo e último dia de minha visita. Uma parada numa escola, cujo nome não me lembro agora, mas cuja imagem me será sempre viva na memória, pela beleza e simplicidade; lá o projeto foi iniciado há 12 anos atrás. Rony Voltou depois de anos para lá. Novamente ouvi relato dos meninos, todos muito entusiasmados com o fazer teatral.

Um ônibus nos levou a uma região bem afastada da cidade para  a Escola Municipal Dona Cotinha, toca do Grupo Tatu Bola. Ao entrar na escola, meu coração já batia forte de ansiedade. Mas era cedo e os meninos só viriam na parte da tarde. Aproveitamos o tempo para conversarmos com mais crianças. Conheci também a direção da escola, que contou sobre um incidente ocorrido há minutos com um aluno. Educação no Brasil é tudo igual, mais uma vez vi a escola de mãos atadas, tendo pouco para fazer ao encarar dificuldades. É a Lei isso, o Eca aquilo e os profissionais que se virem.

E chegou o momento por que tanto esperei. Depois de quase dois meses, iria rever aqueles meninos. Alguns já esperavam na entrada e fui recebido com longos e fortes abraços. Confirmando as palavras de seu diretor, todos muito autônomos e proativos, começaram a decoração da sala para a festa à fantasia que encerraria o ano. Muito bom vê-los trabalhando sem que ninguém os pedisse. Assim, em poucos minutos, a sala estava pronta, e como um raio todos foram para casa e voltaram fantasiados de príncipes, índios, coelhinhas, piratas, fadas e muito mais. Mesmo sem fantasia, me sentia parte da família. Sempre havia um abraço que me acolhia.

Foram eles que decidiram qual seria a ordem do dia. Começou então um amigo-sacanagem, brincadeira divertida, que rendeu grandes risadas. Destaque para o momento em que um membro da “Fubazada”, como Rony costuma chama-los, deu ao diretor durante a brincadeira uma caixa de fósforos cheia de fubá, que que gerou uma guerra. Foi fubá para todo o lado. E o mais bonito é que no fim da festa, não foi preciso que ninguém pedisse para limpar toda a sujeira. Apareceu uma vassoura, pano molhado, rodo e logo tudo estava um brinco.

Fiz uma nova intervenção ao contar A Incrível Jornada dos habitantes de Outrorarumo ao país desconhecido e Um Pouco antes do Topo em uma única versão. A história tinha o objetivo de recepcionar os novos membros do grupo, que estreariam aquela noite. É incrível o poder transformador dessa metáfora. Logo todos entenderam a mensagem e estavam prontos para o vôo. Logo depois auxiliei o diretor a prepara a dinâmica dos valores, que fiz no Brinquedo Torto e cujo resultado é incrível. Aqueles alunos que receberam muitas cédulas se emocionaram e tocaram meu coração pela humildade. Que orgulho conhecer gente assim...

Esqueci de dizer que antes da metáfora, os comes e bebes, regados à música Gangnam Style, que não podia faltar, encheu nossa barriguinha. Dançamos um pouco, lógico que tive que dançar do meu jeito, que é o único que consigo executar. Tirei algumas fotos com os fantasiados e já comecei a sentir saudades, pois a despedida se aproximava.

Ainda havia tempo para apresentação de “Aquilo” e “Patuá”, dois novos trabalhos do grupo, um com os novos integrantes e outro com o elenco antigo. Em Patuá, pude conhecer uma nova faceta do Tatu Bola. Diferente de “A Caolha”, cujo tom trágico perdurava por todo espetáculo, neste trabalho, cujo tema principal era a valorização da africanidade, o grupo dançava e trabalhava de forma mais leve, mantendo sempre a reflexão e a principal característica do grupo, uma parede corporal e vocal. Fiz minhas considerações, mas não estava lá para avaliar o trabalho dos meus amigos. Movi-me de Santo André a Pará de Minas para rever gente querida, aprender, trocar, viver o que vivemos no FETO 2012, que para mim não terminou e enquanto conseguirmos manter a chama viva do encontro Tatu Torto – Brinquedo Bola, nunca terminará.

E já era tarde. Só sobrava tempo para abraços, carinhos, saudades e, é claro, o grito que nos uniu. POTÊNCIA! POTÊNCIA! POTÊNCIA!