Foi uma
daquelas loucuras de que nunca me arrependerei. Entre a decisão e a viagem,
menos de 8 horas; mais tempo passei em
dois ônibus no trajeto BH - Pará de Minas, quase 12 horas ao todo, contando com
o tempo de espera nas duas rodoviárias. Tempo muitíssimo bem investido, Fui
recebido por meu amigo, irmão de arte Rony Morais, que logo descobri ser figura
famosa na cidade; e que cidade, diga-se de passagem. Ar tranquilo, interiorano,
sem ser tedioso nem enfadonho lugar que pelos amigos que fiz e pela beleza de
sua simplicidade campestre, já guardo no peito como um daqueles locais onde
certamente moraria. Mas cidade é feita por gente e viagem se vive no encontro.
E aí é que tudo começa e vem o melhor.
Num
passeio de ônibus, onde fui posto a par sobre como era a cena teatral
paraminense, chegamos ao local do primeiro encontro, um caique, escola
municipal onde depois de visitar algumas salas e conhecer o trabalho cheio de
amor de algumas professoras, fui levado a um espaço agradabilíssimo, local de
ensaio do Grupo Colibri, 10 ou 11 adolescentes, que começaram tomando uma
"leve bronca", bem parecida com aquelas que dou no Brinquedo Torto. O
motivo: um certo atrito entre eles e os meninos do Tatu Bola no ônibus que
levou os dois grupos à histórica apresentação no Teatro Municipal, que ambos os
grupos tiveram a honra de inaugurar. Conduzida com firmeza pelo diretor, a
conversa alertava que aquilo jamais deveria ter acontecido, pois os dois grupos
juntos faziam parte de algo maior, o Projeto Teatro na Educação, executado e
idealizado há 12 anos por Rony, que como pai que resolve sabiamente a discussão
entre os dois filhos, conduzindo a conversa para uma resolução. Senti-me à
vontade para intervir e contar uma história, que ilustrava o acontecido. Fui
acompanhado pelos olhos atentos, daqueles meninos e logo a eles me afeiçoei.
Depois, elegeram-se destaques e lideranças do grupo em 2012 , momentos em que novamente faço relação
com o que ocorre em casa, com meus meninos. Terminou assim a roda inicial, meu
primeiro contato com eles.
E
fomos aquecer e jogar. Brincamos e rimos demais. E assim, estavam todos
preparados para me apresentarem "A tragédia de nossas vidas”, mais um
trabalho com a assinatura Rony Morais Artes Cênicas, cheio de corporeidade,
outra narrativa cujo tom, energia e dedicação dos meninos encanta e impressiona.
Dei uns pitacos e auxiliei uma das atrizes a encontrar recursos para despertar
o estado interno adequado para a cena. Mais uma vez fui ouvido com tanto
carinho, que me senti alguém especial.
Logo
depois, uns pequeninos vieram me apresentar uma versão de cinderela e outra vez
Rony Morais quebrou um outro paradigma: é possível montar um conto de fadas de
uma forma autêntica, fazendo a criança se apropriar da história e não só reproduzi-la.
Não sabia qual deles pegar no colo primeiro, de tão fofos que eram. Lanche,
confraternização, um brincadeiras a la Varlei e eu já estava apaixonado. E o
pior, era hora de partir. Despedidas são um saco.
Banho,
brincadeira com o adorável cãozinho Jake, do irmão de Rony e a noite estava reservada
para conhecer um pouquinho mais da cidade e visitar a Missaka Academia de
Dança, referência na cidade. Depois tomarmos uma cerveja; ninguém é de ferro e
eu não estava dirigindo nem a trabalho. Brindamos aquele momento, que achamos
que talvez nunca ocorreria.
Horas
de sono, que passaram rapidamente e lá fomos nós para o segundo e último dia de
minha visita. Uma parada numa escola, cujo nome não me lembro agora, mas cuja
imagem me será sempre viva na memória, pela beleza e simplicidade; lá o projeto
foi iniciado há 12 anos atrás. Rony Voltou depois de anos para lá. Novamente
ouvi relato dos meninos, todos muito entusiasmados com o fazer teatral.
Um
ônibus nos levou a uma região bem afastada da cidade para a Escola Municipal Dona Cotinha, toca do
Grupo Tatu Bola. Ao entrar na escola, meu coração já batia forte de ansiedade.
Mas era cedo e os meninos só viriam na parte da tarde. Aproveitamos o tempo
para conversarmos com mais crianças. Conheci também a direção da escola, que
contou sobre um incidente ocorrido há minutos com um aluno. Educação no Brasil
é tudo igual, mais uma vez vi a escola de mãos atadas, tendo pouco para fazer ao
encarar dificuldades. É a Lei isso, o Eca aquilo e os profissionais que se
virem.
E
chegou o momento por que tanto esperei. Depois de quase dois meses, iria rever
aqueles meninos. Alguns já esperavam na entrada e fui recebido com longos e
fortes abraços. Confirmando as palavras de seu diretor, todos muito autônomos e
proativos, começaram a decoração da sala para a festa à fantasia que encerraria
o ano. Muito bom vê-los trabalhando sem que ninguém os pedisse. Assim, em
poucos minutos, a sala estava pronta, e como um raio todos foram para casa e
voltaram fantasiados de príncipes, índios, coelhinhas, piratas, fadas e muito
mais. Mesmo sem fantasia, me sentia parte da família. Sempre havia um abraço
que me acolhia.
Foram
eles que decidiram qual seria a ordem do dia. Começou então um amigo-sacanagem,
brincadeira divertida, que rendeu grandes risadas. Destaque para o momento em
que um membro da “Fubazada”, como Rony costuma chama-los, deu ao diretor
durante a brincadeira uma caixa de fósforos cheia de fubá, que que gerou uma
guerra. Foi fubá para todo o lado. E o mais bonito é que no fim da festa, não
foi preciso que ninguém pedisse para limpar toda a sujeira. Apareceu uma
vassoura, pano molhado, rodo e logo tudo estava um brinco.
Fiz
uma nova intervenção ao contar A Incrível Jornada dos habitantes de Outrorarumo ao país desconhecido e Um Pouco antes do Topo em uma única versão. A
história tinha o objetivo de recepcionar os novos membros do grupo, que
estreariam aquela noite. É incrível o poder transformador dessa metáfora. Logo
todos entenderam a mensagem e estavam prontos para o vôo. Logo depois auxiliei
o diretor a prepara a dinâmica dos valores, que fiz no Brinquedo Torto e cujo
resultado é incrível. Aqueles alunos que receberam muitas cédulas se
emocionaram e tocaram meu coração pela humildade. Que orgulho conhecer gente
assim...
Esqueci
de dizer que antes da metáfora, os comes e bebes, regados à música Gangnam
Style, que não podia faltar, encheu nossa barriguinha. Dançamos um pouco,
lógico que tive que dançar do meu jeito, que é o único que consigo executar. Tirei
algumas fotos com os fantasiados e já comecei a sentir saudades, pois a
despedida se aproximava.
Ainda
havia tempo para apresentação de “Aquilo” e “Patuá”, dois novos trabalhos do
grupo, um com os novos integrantes e outro com o elenco antigo. Em Patuá, pude
conhecer uma nova faceta do Tatu Bola. Diferente de “A Caolha”, cujo tom
trágico perdurava por todo espetáculo, neste trabalho, cujo tema principal era
a valorização da africanidade, o grupo dançava e trabalhava de forma mais leve,
mantendo sempre a reflexão e a principal característica do grupo, uma parede
corporal e vocal. Fiz minhas considerações, mas não estava lá para avaliar o trabalho
dos meus amigos. Movi-me de Santo André a Pará de Minas para rever gente
querida, aprender, trocar, viver o que vivemos no FETO 2012, que para mim não
terminou e enquanto conseguirmos manter a chama viva do encontro Tatu Torto –
Brinquedo Bola, nunca terminará.
E
já era tarde. Só sobrava tempo para abraços, carinhos, saudades e, é claro, o
grito que nos uniu. POTÊNCIA! POTÊNCIA! POTÊNCIA!